terça-feira, dezembro 12, 2006

Carapaus de bacalhau

A sondagem da edição online do jornal "Público" trouxe-me à memória um episódio passado na Póvoa de Varzim, há quase dois anos.

A pergunta é muito simples: A sua ceia de Natal inclui bacalhau?

Dois anos atrás, na bancada de Imprensa do Estádio do Varzim, comentávamos a fraca presença de público nas bancadas. O clube poveiro não deixa de ser um histórico do futebol nacional, apesar do momento delicado que atravessa.
Clube de gente de trabalho, famoso pelas mulheres da Póvoa, acérrimas defensoras dos "Lobos do Mar".
Apesar da fúria


Em conversa, continuámos a avançar possibilidades. O preço dos bilhetes, claro. Mas houve um camarada que foi mais longe. E disse o que todos pensávamos mas que não dizíamos, porque é daquelas realidades duras.

"As pessoas não têm dinheiro para o bacalhau, quanto mais para vir ao futebol!". Simples, claro e directo.

"A ceia de Natal vai ser com carapaus".

Carapaus de bacalhau, portanto, para os homens e mulheres que vão ao mar buscar o sustento. Já foi tempo. A Póvoa transformou-se num enorme centro turístico de betão que esconde por trás os tradicionais bairros piscatórios, que ainda hoje rivalizam como há décadas.

Bairros de gente humilde, que recusam o destino que a CEE, CE e, agora, UE, lhes foi impondo.

Na casa dos pescadores poveiros, os carapaus cheiram a um bacalhau de faz de conta.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Bandeira Nacional

Vermelho.
Trocamos o olhar indiferente ou o simples desviar dos olhos pelo sentimento de culpa quando paramos num semáforo e vemos alguém bater no vidro para pedir esmola.
Seja debaixo de chuva, vento ou frio.

Depois o semáforo fica verde e seguimos em frente.

Vermelho.
Paramos nas montras e fazemos contas à vida. De preferência numa superfície comercial atafulhada de gente, com apelos à compra de tudo e mais alguma coisa.
Outra vez vermelho. Paramos e, por uns segundos, pensamos que estamos a fazer compras no dia 24 e que do outro lado do balcão está gente que também tem um dia 24, mas diferente.
Mas temos pressa, porque o dia 24 está a chegar ao fim.

Depois o semáforo fica verde e seguimos em frente.

Vermelho.
Santa Catarina, mas não muito. Quando o sol começa a baixar, não convém ficar por lá. Os sem abrigo incomodam mais do que nos outros dias. Outra vez aquele sentimento de culpa. São velhos, novos, desempregados, toxicodependentes e alcoólicos. Todos num só. Fazemos uma bola gigante de plasticina de cores diferentes, misturamo-los a todos e ficamos com a cabeça cheia de penas. Atiramos uma moeda que ficou no bolso.

Depois o semáforo fica verde e seguimos em frente.

Vermelho.
Comprámos cartões da Unicef, ajudámos a Legião da Boa Vontade, as Casas do Caminho e a Fundação do Gil. Está a chegar ao fim o dia 24. Agradecemos aos VIPs que juntaram-se a uma ou outra iniciativa que proporcionaram uma noite de 24 um bocadinho melhor. Fazemos a digestão ao sono das batatas com a noção de dever cumprido. Passou mais um dia 24 e até ajudámos os mais necessitados.
Jantar sem televisão, por favor. Muito menos os telejornais. Já sabemos que vão abrir com uma vigília à porta de uma fábrica que fechou em Agosto e continua sem pagar aos empregados. Sem televisão, por favor.

Depois o semáforo fica verde e seguimos em frente.

Vermelho.
O dia 25 repete o ritual. Telefonemas de ocasião. Esqueci-me de um postal. Penitencio-me por isso.

Depois o semáforo fica verde e seguimos em frente.

VERDE. Passaram os dias 24 e 25.
VERDE. Seguimos em frente.
VERDE. Venham mais 363 dias para podermos ficar de olhos fechados.