quinta-feira, agosto 16, 2012

A morte é como o sabão*

 A morte é mágica. Tem o condão de limpar tudo. Dizia-se nas margens do Leça que o sabão lava tudo, só não lava as más línguas. Afinal, é a morte. A morte é capaz de limpar o passado mais cretino de qualquer cidadão. Temos nós o hábito do coitadinho na hora da morte. “Morreu, coitado”. Mas a história não morre, pode é ser manipulada e, às vezes, apagada.

Parte do país lamentou a morte de José Hermano Saraiva, um grande comunicador, ao que parece, mas um menos bom historiador, diz quem percebe da poda.

O detalhe de estarmos a falar de um ministro da ditadura fascista de Salazar parece não incomodar quem o elogia. Lá está a morte a limpar as memórias. Diz-se que a educação era o seu grande amor. Um amor à moda antiga, daqueles que se resolvem à bastonada, como quando mandou a GNR carregar sobre os estudantes de Coimbra durante a Crise Académica.

Alguns desses, dos que foram corridos à bastonada por ordem do comunicador, elogiam-no mesmo assim, fazendo ressuscitar a triste máxima do “quanto mais me bates mais gosto de ti”. Outros, mesmo não tendo vivido esse dia, não perdoam a ditadura.

Continuo a achar que quem não foi bom em vida, não tem de ser bom porque morre.

*publicado originalmente no Notícias de Matosinhos