quinta-feira, abril 05, 2012

Impedimentos que impedem*


Cavaco ficou intimidado com perigosos manifestantes de uma escola secundária. Miúdos até aos 15 anos, o terror de qualquer político que até foi professor, mas universitário. A desculpa oficial, foi que ficou impedido por um impedimento. Assim mesmo, como aquelas subidas que sobem para cima ou quando se entra para dentro.

Quem não entrou para dentro foi Passos Coelho, no dia da Greve Geral, no Porto. O ilustre primeiro preferiu a porta do cavalo para fugir aos manifestantes que o esperavam. É sempre melhor quando falamos com aqueles que devemos representar pela televisão ou pela rádio, sem direito a contraditório.

Fugiu, o piegas. Teve medo de dar a cara perante aqueles que contestam o caminho de pobreza que nos pretendem impingir como inevitável, ao mesmo tempo que arranjam lugares de relevo para amigos e compadres, com cortes que mais parecem arranhões para quem ganha milhares de euros.

Segue a luta, que é dura e, muitas vezes, poluída por opiniões de quem tem mais umbigo do que olhos para encararem a realidade com que (sobre)vivem milhões de portugueses.

*originalmente publicado na edição de Abril do Notícias de Matosinhos

quarta-feira, abril 04, 2012

Quando era dia até ser noite

Quando comecei a trabalhar ainda andava no secundário, no segundo 10.º ano que cumpriria, após um primeiro equívoco que me levou para as artes. Das artes, ficou só o artista, que as mãos teimavam em não obedecer aos olhos, quando a professora plantou aquele pimento em cima de uma mesa e disse: "Agora, desenhem". Nunca um pimento foi tão parecido com coisa nenhuma.

Trabalhar e estudar de dia obrigava-me a faltar às aulas, o que me valeu alguns dissabores com a professora de Português, que ainda hoje está para saber como tirei aquele 12 no teste sobre o Sermão de Santo António aos Peixes. E, verdade seja dita, eu também.

Como a maioria do pessoal da minha idade que residia em Leça norte, aquela zona meia perdida entre a Leça dos postais e Perafita, depois de um trabalho de que gostei muito numa empresa relacionada com a UEFA Champions League, tomei o gosto por ter o "meu" dinheiro e fui ganhar uns trocos para os transitários.

O cheiro a óleo e a escape dos empilhadores e dos camiões era tão característico que ainda hoje o conheço. Era divertido, na altura ainda bebia cerveja e isso ajudou à minha integração. Era eventual. Eventualmente, era chamado para trabalhar, às sextas-feiras.

A primeira sexta que trabalhei foi assustadora. Das 8 da manhã de sexta até às 7h30 de sábado. Achei bruto. E, uns meses mais tarde, o Rui, que levava muitos anos daquilo, disse-me: "Isto embrutece um gajo". E eu confirmo, qualquer um confirma. A grande ansiedade era saber quem ficava para a noite de sexta. O pessoal da casa era preferido, obviamente, depois sobravam os que eventualmente ficariam.

Tinha uma explicação. Na altura, o dia começava às 8 da manhã e acabava às 20. Tudo o que fosse para além disso era pago a 100% por hora. Apanhei a fase de transição, em que isso só passou a acontecer entre as 22 e as 6 da manhã. O sol passou a deitar-se mais tarde e a acordar mais cedo.

Mas continuávamos a trabalhar. Na madrugada, quando chegavam os camiões amarelos e azuis, o aspecto era desesperante. Era o algodão para carregar e os "cartões", vulgarmente conhecidos por caixas de papelão. A madrugada era bruta. Olhávamos para os contentores de 40 pés e não lhes víamos o fundo, também por culpa da luz amarela que iluminava um bocadinho o cais. Era desesperante. Os contentores não tinham fim e os camiões também não. Aguentava-se à base de umas cervejas e cigarros.

Valia pelas horas-extra, que ainda não tinham sido muito roubadas, como agora serão, com o aval da UGT e o patrocínio do PSD, CDS e PS, mais a sua abstenção violenta.

Era bruto, como as viagens para Amarante onde íamos montar uma máquina qualquer e carregar tábuas que nunca mais acabavam, numa Toyota Hiace de três lugares onde íamos cinco.

Era bruto como as idas ao Porto de Leixões, para descarregar e carregar contentores de uma ração qualquer que tinha que ser inspeccionada. Tantas vezes.

Para estes homens, os dias vão ficar mais compridos e mais caros, com as horas mais baratas. E com a luz do sol a prolongar-se noite dentro. Mas isso não há-de ser problema para quem nunca os viu nem os vê.